Luís Gonçales Blasco, Foz: “1972 é um ano chave para muitas coisas” 5 Outubro, 2022 – Publicado em: Entrevistas

Na Através Editora acabamos de lançar a nossa última novidade, da coleção Através de Nós:  A UPG em Portugal e alguma coisa mais, um ensaio do histórico militante Luís Gonçales Blanco.

O livro, que caminha entre a história política e o relato em primeira pessoa,  é um excelente documento para compreender a magnitude das relações dum partido da esquerda soberanista galega com as diversas organizações que naquela altura lutavam por um mundo distinto. Para saber mais, falamos com o autor que também é protagonista da história que relata.

Fotografia por José Goris no lançamento na Livraria Cartabón em Vigo.

O livro anterior e irmão deste saiu há 10 anos, que novidades houve no estudo da história da UPG neste tempo?

Pelo que eu sei a UPG anda a preparar uma grande história de si própria. Para isso fez uma série de entrevistas a antigos militantes, mesmo a gente que agora não milita nela (como eu próprio). Este projeto leva anos em andamento e não acaba de aparecer.

Tendo em conta o que contas sobre o silêncio da crítica sobre a tua obra. Consideras “A UPG em Portugal…” uma porta de entrada nova para o teu relato sobre aqueles anos?

O meu primeiro livro teve a má fortuna de ser distribuído pelo Consórcio do Livro Galego; naquela altura produziu-se a falência de A Nosa Terra e as suas edições, o Consórcio dedicou-se a recolher uma enorme quantidade de livros publicados por A Nosa Terra e descuidou a distribuição de alguns livros novos, entre eles o meu. A coisa foi tão grave que na feira do livro de Foz de 2012, não havia praticamente exemplares do livro que porém, foi apresentado na feira; o problema pôde-se resolver dispondo eu de exemplares que vendi às livrarias às quais não lhes foram servidos pelo Consórcio.

A crítica ignorou a aparição do livro, agás uma excelente recensão de Mário Regueira que se publicou em Sermos.

Anos andados aparece o número 31 da revista Tempo exterior, de Julho-dezembro de 2015 onde figura um trabalho intitulado As relacións internacionais da UPG: 1977-1984 de Xosé María Blanco Rubio. Dado o meu interesse no tema apressei-me em lê-lo. O trabalho é correto e não achei erros nele; porém fiquei surpreendido pela ausência na bibliografia do meu livro publicado anos antes. Curiosamente reproduzem-se algumas das palavras pronunciadas por mim no IX congresso da UDB que figuram in extenso na minha obra. Também se ignora nessa bibliografia o livro, editado pela fundação Galiza Sempre, A Ollada exterior do nacionalismo galego, onde figura um trabalho meu intitulado “A Carta de Brest”. Ignoro a que são devidas essas “deficiências” bibliográficas.

Desde 2012 o avanço social do reintegracionismo foi muito grande, por isso penso que este livro terá uma boa acolhida e que chamará a atenção sobre o primeiro cuja edição infelizmente está esgotada em Laiovento, que não pensa reeditá-lo. Felizmente está presente em bastantes bibliotecas onde pode ser consultado.

Desde 2012 o avanço social do reintegracionismo foi muito grande, por isso penso que este livro terá uma boa acolhida e que chamará a atenção sobre o primeiro cuja edição infelizmente está esgotada em Laiovento, que não pensa reeditá-lo. Felizmente está presente em bastantes bibliotecas onde pode ser consultado.

As relações com Portugal sempre foram cordiais e neste livro é fácil de encontrar. No entanto, existe dentro do livro o silêncio do PCP, como deve ser tratado este silêncio?

Dada a existência do PCE, ainda que o eurocomunismo do mesmo não fosse do gosto do PCP, as relações UPG-PCP não podiam ser públicas, eram apenas privadas. Eram públicas as relações da U. com o MDP, cuja vinculação ao PCP eram bem conhecidas.

Agora volta a aparecer nas teorizações, mas existiu na matriz ideológica da primeira UPG, uma forte componente anti-colonial como se demonstra nos textos do Primeiro Congresso, em que medida a Revolução dos Cravos atuou para que isto ser assim?

Na realidade, o anticolonialismo está presente já antes na U, não esqueçamos que a 3 de fevereiro de 1974 a UPG assina, com a União Democrática Bretã e o Movimento Republicano Irlandês (IRA+Sinn Fein), a conhecida como Carta de Brest, cujo nome oficial era Declaração sobre a luta anticolonial na Europa Ocidental que, com certeza, fora preparada durante um processo que começa no IX congresso da UDB, 15 e 16 de abril de 1972. A Carta de Brest entrou em cordiais relações com a Carta de Argel, assinada por organizações anticoloniais não europeias. Tudo isto foi tratado pormenorizadamente no meu livro de 2012. Ainda se poderia acrescentar que entre os heróis dos fundadores da UPG figurava, em lugar importante, Ahmed Ben Bella.

A 3 de fevereiro de 1974 a UPG assina, com a União Democrática Bretã e o Movimento Republicano Irlandês (IRA+Sinn Fein), a conhecida como Carta de Brest, cujo nome oficial era Declaração sobre a luta anticolonial na Europa Ocidental que, com certeza, fora preparada durante um processo que começa no IX congresso da UDB, 15 e 16 de abril de 1972. A Carta de Brest entrou em cordiais relações com a Carta de Argel, assinada por organizações anticoloniais não europeias.

Além de Portugal, no livro aparecem organizações nacionalistas fora da Carta de Brest e da esquerda espanhola. No livro e no anexo gráfico vê-se que na emigração as relações com a esquerda espanhola assinando conjuntamente documentos eram cordiais, mas como conjugava a UPG tratar com partidos que por um lado diziam manter respeito ao princípio leninista da autodeterminação mas queriam um partido do proletariado espanhol?

É certo que a UPG colaborou com partidos espanhóis, chegando a assinar documentos conjuntos e até formar parte de comités antirrepressivos. No exterior era mais fácil esta colaboração antifranquista. Contudo, não deixou de haver problemas: um bom exemplo disto foi a participação em Paris nos Comités Unitarios contra la represión en España, comités formados pelos Comités Antiimperialistas Revolulucionarios, o Frente Español de Liberación Nacional, o Movimiento Comunista Vasco (Komunistak), o Partido Comunista de España (m-l), Vanguardia Socialista e a Uniao do Povo Galego (da qual se afirmava tratar-se da seção exterior da mesma); a iniciativa deste comité fora dos CAR, organismo criado pelo PCE (m-l), onde a U fora convidada (e negara-se) a se integrar. Os CCUR deram-se a conhecer num manifesto publicado em março de 1971, manifesto que foi motivo de polémica já que o PCE (m-i) apresentava uma proposta que não foi aceite e foi modificada por outra onde não figurava a palavra “España” e o sintagma “nuestro pueblo” foi substituído por “nuestros pueblos”. Depois da experiência do CCUR, a U nunca aceitará que se fala de um povo único para se referir às diferentes nações do estado espanhol. Este tema trato-o amplamente no livro de 2012.

Há duas presenças que percorrem o livro de início a fim, por um lado o assassinato de Moncho Reboiras e por outro a greve do 72 em Ferrol, agora que se cumprem 50 anos da segunda, pensas que esta greve marcou a visão internacional da UPG e em suma do soberanismo galego?

1972 é um ano chave para muitas coisas: para o movimento operário galego, para a introdução da UPG no proletariado galego e para a própria evolução do partido.

 

Entrevista publicada originalmente no Portal Galego da Língua.