Jorge Marim: “O principal seria vincular novas masculinidades à multiplicidade, não a unha única forma de entender o masculino” 27 Março, 2019 – Publicado em: Alicerces, Entrevistas

Teresa Moure entrevista Jorge Marim, Sociólogo, professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade de Santiago de Compostela (USC) e autor de Novas masculinidades. O feminismo a (de)construir o homem, volume 4 da Coleção Alicerces.

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Podes dar-nos uma definição do termo “homem”? Por favor, evita que seja o macho da mulher.

Homem é a posição social de partida de dominação como diria P. Bourdieu, ou, se queremos do ponto de vista lacaniano, o impossível do real. É uma identidade múltipla, fluida, em que predominam os seus traços hegemónicos .

Jorge começa o seu livro a invocar o pai como uma figura masculina que contribuiu para que lhe fossem transmitidos valores alternativos. Segundo o perfil que dá do seu pai, isso indicaria que sempre houve homens “diferentes”. O conceito de novas masculinidades, portanto, corresponde à nossa contemporaneidade ou implica apenas uma masculinidade alternativa? Frente aos John Wayne do cinema, estereótipo da virilidade clássica (seguro de si, firme, corajoso, violento, etc), muitas figuras tradicionais de homens não corresponderiam ao padrão sem por isso serem verdadeiramente novas masculinidades no sentido cá indicado. Estou a pensar, por exemplo, num padre da igreja católica. Em geral, a igreja, tão presente nas nossas sociedades, cultivava outras masculinidades (por exemplo, celibatário) sem por isso serem alternativas. Como podemos orientar-nos numa definição?

Novas e unha definição que implica cambio de paradigma, desempoderamento, renúncia à violência, e apropriar-se daquele universo de caraterísticas que sempre se vincularam ao essencialismo feminino. Portanto são aquelas masculinidades que bebem do feminismo.

E a sexualidade, como é que intervém na definição? A influência do movimento LGBTI nas novas masculinidades foi o motor da mudança (junto ao feminismo)? Monique Wittig dizia que a lesbiana não é uma mulher. Então caberia perguntar se o gay é realmente um homem.

A sexualidade também é construida a partir de uma lógica patriarcal, e o movimento LGTBI ajuda a desconstruir o relato único heteropatriarcal monogámico. Assim sendo, para esse modelo de masculinidade clássica o gay não é um homem.

Dizemos que o feminismo contribuiu para desconstruir o homem, mas na sociedade frequentemente apresenta-se como um movimento castrador do homem, qual é a tua opinião sobre o impacto dos feminismos? Como os recebes? E, nesta linha, como valorizas o momento que estamos a viver: O feminismo está a triunfar e estender-se ou existiria para o movimento o risco de morrer de sucesso?

O feminismo é muito necessário de uma ótica de justiça social, da procura de uma sociedade sem discriminações. Pessoalmente estou muito agradecido ao feminismo, porque me ajuda a compreender e desconstruir a lógica da masculinidade hegemónica. Digamos que o feminismo nos fai ser melhores pessoas e modifica as consciências coletivas baseadas no essencialismo homem/mulher. Não creio que poda morrer de sucesso, pode ser aproveitado pola lógica capitalista para vender mais roupa com lemas, mas o feminismo só há de morrer com o fim do patriarcado.

Podes dar o nome dalgum homem da história que seja referente para ti duma nova masculinidade? No feminismo é frequente procurarmos na história referentes, porque não uma história de homens alternativos?

Se tenho que ressaltar um que seja Frederick Douglas (1818-1895), nascido escravo em Maryland, abolicionista, é um dos homens assinantes da declaração de Seneca Falls en 1848. A sua vida é um exemplo de como o próprio homem também pode ser vítima do homem patriarcal .

Sobre o conceito de “maricas” a língua agrupa nem só sexualidades não normativas, mas também comportamentos que se ridicularizam. O maricas é sofisticado, ou é cauteloso, ou é refinado. Vamos lá. Se no artefacto língua existe uma vinculação do maricas (uma masculinidade alternativa) para comportamentos sinuosos, carentes de valentia ou mentireiros frente ao homem-homem (que é autêntico, embora brusco, vulgar ou violento), como é que poderemos defender o conceito de novas masculinidades sem cair na armadilha da linguagem?

E certo que as definições podem capturar-nos mas o principal seria vincular novas masculinidades à multiplicidade, não a unha única forma de entender o masculino. Pode-se ser homem a partir da diferença, não da normatividade da dominação.