“Elas, as emigrantes”, resenha por Carmen V. Valiña 10 Maio, 2019 – Publicado em: Através de Nós, Resenhas

capa elas as emigrantes carmen v valiña

Elas, as emigrantes tenta, a partir do seu próprio título, ser uma homenagem tão humilde como explícita às mulheres que deixaram a Galiza caminho da emigração suíça. Porque o facto migratório que marcou a nossa história recente não pode continuar a ser estudado de parâmetros supostamente objetivos que, dentro do masculino genérico, deixam fora as experiências femininas específicas. A obra propõe, ademais, uma comparativa entre dous períodos históricos, o dos anos 60 e 70 e o surgido a partir da crise económica de 2008, que apresentam um cenário de género notavelmente diferente na origem e no destino: frente as travas para as mulheres durante a ditadura franquista, a democracia trouxe consigo (ainda que seja unicamente a nível formal) a plena equiparação de direitos. Afetaram essas mudanças também o feito migratório de umas e outras permitindo perceber diferenças profundas entre ambas as experiências?

E, devido a que falamos de deslocamentos geográficos, é preciso volver a vista ao lugar onde nos situamos no mundo. Como autora nascida numa comarca, a Terra de Soneira, em que as visitas dos que de crianças chamávamos “suíços” se repetiam cada verão e a metade dos companheiros tinha os pais emigrados, esse país era para nós muito mais do que uma referência nos mapas: era parte da nossa cotidianidade, refletida nos carros com matrícula de Berna ou Zurique e modelos desconhecidos nas nossas aldeias, e tomava forma nos rapazes e raparigas que, com pais retornados, se incorporavam às aulas na escola e no liceu na metade do curso e se desenvolviam num precário galego aprendido a milhares de quilómetros.

Este livro é, ante todo, uma homenagem às vozes das oito mulheres que me contaram as suas experiências em terras helvéticas: na calidez dos seus lares do retorno galego, a través de Skypes cheios de recordações ou mediante questionários em que confessaram lembranças e esperanças. Sem elas a minha investigação nunca teria sido possível pois, longe de ser um reconto de cifras, Elas, as emigrantes pretende ante todo ser uma narração das suas vidas e experiências, dar-lhes voz para que sejam elas mesmas as que ponham de manifesto as suas motivações para emigrarem, o entorno de que procedem, as dificuldades que encontraram na Suíça, os dissabores e alegrias de um processo que, ainda que não foi simples, moitas delas não mudariam polo que também lhes supôs de experiência vital, para além do dinheiro poupado.

Este livrinho coloca as mulheres e as suas experiências de género específicas no centro, sublinhando aqueles aspetos mais pessoais que não costumam ter cabida quando o reconto estatístico ou as normativas em torno da emigração são as protagonistas. Falaremos, assim, de sonhos realizados, do pungimento de escolher onde ficam os filhos, de como se gere uma inserção laboral na Suíça mui longe das expetativas com que estas mulheres se formaram na Galiza… Descobriremos, também, as diferenças nos perfis entre as soneirás que partiram em pleno franquismo e as moças que o fizeram há só uns anos (ou em realidade as diferenças não são tantas?). E da mão destas oito mulheres questionaremos ademais determinados mitos arraigados na história da emigração galega que talvez não estão tão perto da realidade como pensamos: o fator económico sempre foi o fundamental para partir ou houve outras motivações mais potentes? O desejo de retornar para a Galiza sempre estivo aí?

Elas, as emigrantes formula, pois, moitas viagens dentro de uma: a das mulheres que partiram da Terra de Soneira caminho da Suíça, a das que retornaram para sempre mas também as das que tiveram que volver partir; a mudança geográfica, mas igualmente psicológica e emocional, a partir da Galiza da sua infância até a Europa do norte que as acolheu. Uma emigração que, para além dos quilómetros percorridos, foi para elas uma viagem que as mudou para sempre.

texto de Carmen V. Valiña