Daniel Amarelo:“Este é um produto que questiona a normatividade cultural galega” 8 Setembro, 2020 – Publicado em: Através da Língua, Entrevistas
No mês de julho saiu à luz ‘Nós, xs inadaptadxs’, o primeiro livro CUIR na Galiza, que vem da mao do editor de Narom Daniel Amarelo, coordenador do trabalho. O livro pretende ser a voz de todas aquelas coletividades que, juntas, querem abrir as fronteiras da construçom coletiva da Galiza, com textos que vam das artes cénicas, à ciência ou à música até às próprias vivências, com a pluralidade por bandeira.
Como é que começa o caminho deste livro?
Todo começa há um ano, no verao passado. Eu tinha coincidido com gente do festival Agrocuir em jornadas e figemos umhas apresentaçons, tivemos muito bom feeling, e convidárom-me a coordenar umha mesa redonda. De aí nasceu a reflexom do que necessitávamos, que a Galiza tem umha série de particularidades no eido CUIR e LGBT. Puidemos dialogar sobre estas questions, sobre o que é o modelo LGBTI, e abordamos o debate que questionava essa normatividade progressivamente mais ampla. A partir de aí, e como eu som editor de Através, plantejamos um livro que recolhera todo isto, o primeiro livro na Galiza que recolha este debate. Pugemo-nos maos à obra. Eu o que figem foi contatar com todo o mundo que conheço que puidesse achegar sobre o tema, gente do ativismo, académica, escritores e escritoras literárias, pesquisadores ou gente que levava projetos concretos. Afinal conseguimos juntar estas 22 pessoas e coletivos e ficou algo bastante jeitoso.
Por que falamos do conceito de inadaptadxs?
O título foi o mais difícil de todo o processo, porque ninguém acabava de gostar. Nom queríamos nada excessivamente académico, e queríamos fugir do típico slogan Junta da Galiza. Afinal chegamos à ideia do texto de Vicente Risco, ‘Nós os inadaptados’, que fala dessa comunidade galega, intelectual, ligada ao grupo Nós, que no contexto em que estavam naquele momento eram uns inadaptados. O texto de Risco, evidentemente nom tem nada a ver com este projeto. Os inadaptados de Risco eram umha questom mui classista e masculinista, e pensamos que já que se tenhem reformulado os mitos e as referências nacionais galegas podemos fazê-lo também aqui. E, em vez de ser os inadaptados, somos xs inadaptadxs.
O texto de Risco, ‘Nós os inadaptados’, evidentemente nom tem nada a ver com este projeto. Os inadaptados de Risco eram umha questom mui classista e masculinista, e pensamos que já que se tenhem reformulado os mitos e as referências nacionais galegas podemos fazê-lo também aqui. E, em vez de ser os inadaptados, somos xs inadaptadxs.
Qual foi o ponto de inflexom na hora de sacar adiante o projeto?
Eu som umha pessoa mui entusiasta. Através é umha editora autogerida e a equipa deu-me luz verde porque via que era um projeto interessante. Eu sabia que havia muitos ânimos também em diferentes círculos. Entom, tinha o meu entusiasmo, o interesse de Através Editora e o entusiasmo das pessoas que trabalham nestes temas. Outra cousa que também me animou foi ver que no contexto estadounidense está a haver muita gente que fai estudos galegos em universidades americanas, com umha perspetiva colonial, CUIR, que questiona a própria naçom e os próprios fundamentos. Se há gente a milhons de quilómetros trabalhando sobre a Galiza de umha perspetiva que questiona o tema da sexualidade, do género e demais, se calhar aqui também nos poderíamos começar a fazer produtos culturais ou editoriais como neste caso em que se questione a própria construçom coletiva do que é a Galiza. Este é um produto editorial que questiona os conceitos do que é a normatividade cultural galega, e essa é a chave do projeto.
Se há gente a milhons de quilómetros trabalhando sobre a Galiza de umha perspetiva que questiona o tema da sexualidade, do género e demais, se calhar aqui também nos poderíamos começar a fazer produtos culturais ou editoriais como neste caso em que se questione a própria construçom coletiva do que é a Galiza. Este é um produto editorial que questiona os conceitos do que é a normatividade cultural galega, e essa é a chave do projeto.
Que questions concretas trata de resolver o livro ao longo do relato?
A estrutura que tem o livro, em vários blocos, une diversos textos. Cada bloco tem um nome e umha frase, que afinal forma umha frase completa. O primeiro bloco chama-se ‘Mapeamentos’, e aí tenta-se mapear a realidade galega, o que se tem feito de umha perspetiva nom heterossexual, com textos sobre dança, literatura, artes cénicas e plásticas. Depois, ‘Desafios’, aborda o jornalismo, como se informa de umha perspetiva LGTB, a docência, e o tema da ciência. Sempre se exalta o biológico, mas há que pensar em apagar esse biologismo extremo, e ver que a biologia também tem mudanças e que o natural nom tem de ser algo inamovível. O terceiro bloco fala de percursos, três textos de pessoas que ainda que tenhem a sua galeguidade, nom pertencem à Galiza. O quarto bloco chama-se ‘Arquivos’, e nele questiona-se o passado, abordando a luita polos direitos sexuais na Galiza, e aborda o termo ‘trans’ desde outro conceito, entre outras cousas. Há também umha seçom sobre linguagens e umha última, que é a de coletividades, em que falamos com vários coletivos como Avante LGTB, Agrocuir da Ulloa, Arelas e Nós Mesas, de Vigo. Eu quigem que cada diversidade tocasse os temas que eram da sua preferência, de forma livre. Acho que a gente vai gostar dos conteúdos, ainda que nom é nada fechado. Quando haja umha segunda ou terça ediçom poderá haver mais textos.
Neste sentido, a palavra é ‘pluralidade’. Pensas que define o espírito do livro?
Pluralidade e heterogeneidade é algo bem definitório do livro, no sentido em que há estilos muito diversos. Mesmo o tipo de siglas que se utilizam som mui distintos. Há quem usa LGBT, CUIR, marondo, homossexual… E a escolha dos temas é mui diversa. Ainda assim, acho que conseguimos chegar a um fio condutor, já que os textos estám situados no contexto nacional galego.
O livro também inclui umha parte mais plástica e visual. Qual é o seu peso no relato?
O tema visual é mais complexo e tem um peso importante. Em mapeamentos, nom tinha sentido editar esse texto sem nengumha imagem, entom a partir de aí pensei em contatar também com gente de belas artes e que fazia obras mais artísticas. Afinal, em cada separaçom entre os blocos temos umha imagem, umha obra contemporânea. Está Alexandre Folgoso, que é fotógrafo, Teresa Búa, desenhadora e artista, e imagens que acompanham o livro. Queríamos que fosse um livro bonito, para poder consultá-lo no estante, e de aí o tema da capa dura, de imagens e de cores. Como produto físico, o livro está cuidado em quanto ao tema estético, já que a gente vai investir dinheiro para comprá-lo.
Afinal, em cada separaçom entre os blocos temos umha imagem, umha obra contemporânea. Está Alexandre Folgoso, que é fotógrafo, Teresa Búa, desenhadora e artista, e imagens que acompanham o livro. Queríamos que fosse um livro bonito, para poder consultá-lo no estante, e de aí o tema da capa dura, de imagens e de cores. Como produto físico, o livro está cuidado em quanto ao tema estético, já que a gente vai investir dinheiro para comprá-lo.
Quanto ao financiamento, conseguíchedes mais do esperado na campanha de Verkami. Em que repercutiu isto?
A capa dura era um requisito que queríamos ter, e por isso pugemos esse limite. O pessoal implicou-se muito e comprou o livro, o que demonstra que a sociedade galega tem interesse nesse tipo de produtos, que som alternativos e questionam a própria identidade, com vozes novas de gente dissidente que trabalha em âmbitos muito diversos.
[Esta entrevista foi publicada originariamente no último número em papel do Novas da Galiza]