Valentim Fagim: “Através Editora chega aos 100 clubistas” 22 Junho, 2022 – Publicado em: Entrevistas
Que representa a Através Clube para o nosso projeto editorial?
Na Galiza, há duas sensibilidades sobre o que a nossa língua é, e que se transparecem na forma de escrever. O jeito que eu estou a usar agora mora na periferia social. O espaço central, que não por acaso usa a ortografia do castelhano, gera oportunidades para as editoras que sigam o seu modelo, bem como gera muros para nós. Um exemplo. As bibliotecas galegas compram alguns dos seus fundos diretamente à Junta, a qual disponibiliza um site onde vão aparecendo as novidades “en galego”. A Através formou parte dessa ofertas mas desde há uns anos está fora. Porquê? Essencialmente, porque sim, e esta é uma razão poderosa numa sociedade como a nossa.
A Através Clube é a nossa pílula contra a secundarização. Os clubistas da Através, em contraste com outros clubes de apoio a editoras, não têm a obrigação de apanhar todos os livros. Podem escolher os que melhor acharem. Ora, há uma percentagem significativa de clubistas, mais de metade, que adquirem todos os livros, por volta de 11 por ano. Vão ler todos os textos? Não. Alguns serão lidos, outros dados, outros ficarão na biblioteca sem mácula, mas todos eles alimentam o projeto. Aproveito a entrevista para enviar um muito obrigado a estes químicos e estas químicas da esperança.
A Através Clube nasceu em 2010 e já superou há um ano os 100 exemplares (e voltamos ao número mágico). Como e porque a Através nasceu?
A maior parte da produção editorial em galego-português no nosso país foi obra da Agal. Havia várias coleções mas não existia uma marca e, sobretudo, uma estrutura sólida, com uma equipa estável, e uma periodicidade. Publicava-se quando surgia essa possibilidade. O conselho da Agal naquela altura, 2010, por sugestão do Miguel Penas e de mim, decidiu dar mais um passo no sentido de construir uma área editorial permanente, com coleções que deviam ser nutridas e com uma agenda. Neste sentido, a Através edita um livro a cada mês, e tenta, nem sempre consegue, que as diferentes coleções cresçam compassadamente.
A missão da Através, num início, era canalizar a produção galega neste modelo de língua e tecer redes com o público português, quer dizer, mostrar que para além dos países da CPLP há um outro núcleo editorial. Ora, o que agora sabemos é que a produção galega é rica em literatura mas nem tanto em ensaio, com a exceção do linguístico. Neste sentido, Teresa Moure, diretora da coleção Alicerces, abriu uma via com a edição de autores e autoras que redigem habitualmente em galego Ilg-Rag. Recentemente, o livro de Beatriz Busto, Um país a la gallega, recebeu o prémio Folhas Novas na categoria de ensaio, prémio que também recebeu em seu dia Helena Miguélez, por Galiza, um povo sentimental?
Recentemente, o livro de Beatriz Busto, Um país a la gallega, recebeu o prémio Folhas Novas na categoria de ensaio, prémio que também recebeu em seu dia Helena Miguélez, por Galiza, um povo sentimental?
Como é a engrenagem da Através? Que pessoas permitem que exista?
A Através é uma editora associativa. Existe porque existe atrás uma associação, no caso, a Agal. A Através começou com uma escala de voluntarismo de perto de 100%. O voluntarismo puro está na equipa editorial, formada na atualidade por 8 pessoas, e por onde já passaram muitas mais, bem como polas pessoas externas a esta equipa e avaliam os originais que nos chegam e, por vezes, fazem uma primeira revisão formal. Outro tipo de quase voluntarismo está da mão das pessoas que paginam os livros e os revisam linguisticamente. É o caso de Lois Buá, Miguel Durán, o Ricardo Cabanelas ou o Joana Palha. A área de comunicação e marketing, da responsabilidade de Tiago Alves, de logística, sob a chefia de Graciela Lois, e a tesouraria, com a Marta Macias, são profissionais.
O voluntarismo puro está na equipa editorial, formada na atualidade por 8 pessoas, e por onde já passaram muitas mais, bem como polas pessoas externas a esta equipa e avaliam os originais que nos chegam e, por vezes, fazem uma primeira revisão formal.
Como se decide o que é publicado? É uma tarefa complexa?
É. Nós temos capacidade, com muito esforço, para editar um livro cada mês. Cada ano chegam por volta de 30 originais. Antes de fazer uma análise dupla, a equipa decide se o livro encaixa no projeto da Através. Resolvido isto, cada livro é lido e avaliado por um membro da equipa e por uma pessoa externa, quase sempre sócios e sócias que se disponibilizaram para essa tarefa desde que o livro seja duma área concreta: poesia, prosa, ensaio histórico, língua… onde eles têm capacidade de avaliar. Com ambas as avaliações, abre-se um debate ao vivo e toma-se uma decisão. A qualidade é importante mas também que tenha público. Um livro não é uma porcelana.
Cada ano chegam por volta de 30 originais. Antes de fazer uma análise dupla, a equipa decide se o livro encaixa no projeto da Através. Resolvido isto, cada livro é lido e avaliado por um membro da equipa e por uma pessoa externa.
Ora, não se trata apenas de esperar. Outra descoberta no nosso devir editorial é que os livros se provocam. Por outras palavras, se a equipa achar que dada temática é eficaz para a editora, provocamos a “construção” do livro. Alguns exemplos disto são Nós, as inadaptadxs; Coraçom de Terra; o Dicionário Visual Através ou 40 datas que fizeram a história da Galiza.
Uma editora sempre armazena histórias curiosas. Gostavas de destacar alguma?
Sem dúvida, o que aconteceu com o Seique, da Susana Arins. Foi editado em 2015. Nessa altura nem sequer foi nomeado a um prémio na Galiza mas o certo é que o livro funcionava muito bem boca a boca, de facto, houve muitas reimpressões. Uma editora espanhola, De Conatus, decidiu investir nele e surgiu uma versão em castelhano que vendeu loguinho várias edições. Esta edição, sob o título de dizen, ganha o Prémio dos livreiros de Madrid ao melhor livro de ficção em 2019. No ano a seguir, a 2.ª edição do Seique é a vencedora, na categoria de narrativa, da Gala do livro galego.
Ora, o que gostava de destacar, e o mais felizmente curioso, é que a Através tem um monte de anjos da guarda (ou trasnos para quem preferir outra mitologia). Eles facilitam a sua existência, e que chegássemos até onde chegamos.
Entrevista publicada orginalmente no Portal Galego da Língua.